Na Cristoteca, há uma missa à meia-noite e depois o som segue rolando até a alvorada. Tem ainda: Gospel Night – a festa, Pré-Reveillon Gospel, Gospel Night Fantasy, Festa Jesuína, Cristoteca… Os sons são diferentes, mas a linguagem é a mesma para agitar o esqueleto evangelizado, sacudir o corpitcho renascido, curtir a vida transformada que Jesus-me-deu!

A questão não é discutir se há honestidade espiritual ou não nas estratégias formuladas pelos líderes religiosos ou se o público-alvo é de fato atingido pelas mensagens musicalizadas. Mas há alguns pontos a ponderar nas propostas de eventos como a balada gospel, pontos estes que são logo atacados com frases do tipo: (1)“É melhor isso do que a balada secular”, ou (2) “As igrejas estão atraindo os jovens”, e ainda, (3) “O jovem evangélico precisa se divertir”.

Se colocarmos uma interrogação ao final dos três pontos acima, podemos ter uma pausa para reflexão antes que se entre no clima do “batidão”. Primeira: É melhor isso do que a balada secular? O “isso” nada mais seria que a reprodução dos festejos dos baladeiros noturnos, com a simples retirada do álcool e do fumo. Faz-se uma missa à meia-noite e mexe-se as cadeiras até o galo cantar três vezes, para então sair dali com a sensação de que ser cristão é “legal”, é “massa”, é “da hora”?

Segunda interrogação: As igrejas estão atraindo os jovens? A palavra-chave é mesmo “atração”. Se está escrito que “Eu [Cristo], quando for levantado da Terra, atrairei todos a Mim”, é fato que, hoje, quando o funk levanta poeira, atrai muita gente. Assiste-se atualmente a um modelo de atração de público jovem para reuniões em que há muita religiosidade, mas pouca religião. Cantores de grande vendagem, músicas pop-religiosas, luzes estroboscópicas: isso tudo fascina o jovem público que encontra nas grandes concentrações religiosas, em logradouros públicos ou em salões particulares, um genérico das baladas e shows populares.

Denomino de “genérico” porque o princípio ativo é o mesmo. Isto é, aquilo que desencadeia as reações psicossomáticas (em português, as reações mentais e corporais) do público não são apenas as letras, mas a intensidade sonora e a capacidade dinamogênica do ritmo e da canção.

De forma mais esquemática: a estilos como funk, axé, dance e balada acrescenta-se o termo “gospel”; essa junção de palavras, que parece não ser nenhum anátema, passa a ditar o índice de maior ou menor atratividade jovem; os cantores, autodenominados “levitas”, dão autógrafos, têm comunidades concorrentes no Orkut (com pesquisas sobre “quem canta melhor”), e reproduzem o modelo de comunicação dos astros pop por meio de sua postura no palco, seus figurinos e seus comandos de voz (“tira o pé do chão!”). Além disso, são recebidos com estridência nos shows por um público que também reproduz o comportamento de fãs histéricos do mundo musical pop.

As letras religiosas seriam o diferencial? As letras podem até ajudar a derreter corações de pedra, mas elas submergem na atmosfera de rave criada para entreter e divertir. Embora as letras apresentem temas da vida evangélica, a embalagem de melodia e arranjo reproduz os estilos musicais da moda enquanto a indústria gospel imita o caráter de atração jovem e divulgação musical da indústria fonográfica pop, estimulando o comportamento de baladeiro e fã por parte do jovem fiel.

Por último: O jovem religioso precisa se divertir? Ora, isso é elementar. Afinal, sem um pouco de lazer, recreação e leve entretenimento não há cristão que suporte o rojão contemporâneo. Contudo, quando a diversão deixa de ser um momento da semana para se tornar o estilo de vida, algo está se perdendo na caminhada, e este algo pode ser um sentido mais profundo do que é conversão. Se conversão significa mudança de direção, por que ainda repetir os maneirismos de interpretação, a histeria fanática, as caras e bocas e adereços dos artistas, as melodias e arranjos da música pop mais descartável da mídia?

“Haja entretenimento” – o mandamento da nossa sociedade do espetáculo passou a ser a palavra de ordem para a sobrevivência das igrejas na modernidade.